O Homem do Futuro - Corpo de Lata?
Quando
criança, em meados dos anos 80, impressionado com as notícias sobre
a evolução das máquinas minha imaginação percorria vislumbrada a
possibilidade de no futuro, a humanidade dividir espaço com robôs
inteligentes, seres de lata, capazes de realizar tarefas tipicamente
humanas. Sentia como que um frio na barriga quando meu pensamento
fértil-juvenil criava imagens robóticas andando pelas ruas: já
imaginou você dar de cara com um “Jaspion” ou o “Ultraman”*?
Logo, uma voz cortante me chamava à realidade despertando-me do meu
transe futurista: "- Anda, chuta a bola!" - e voltava eu
para a brincadeira com os amigos. Saudades! Ao fechar meus olhos
ainda posso reviver na lembrança momentos tão marcantes, sentir o
cheiro da infância, cheiro de terra molhada, brincadeiras, subir no
telhado para ver as estrelas a noite, tudo parecia ter vida e
significado. Nasce um sorriso quando paro para pensar que já estamos
em 2012, lembro de minha reposta toda vez que alguém pedia algo que
eu não queria fazer, dizia eu: “-Só no ano 2000!” Isso mesmo!
Ainda sorrindo. Afirmo: "Estamos em 2012!"
Relatar
impressões da infância é a forma mais coerente que encontrei para
iniciar este texto, pois aí está um dos momentos mais empolgantes e
intensos que passamos em nossas vidas, e também uma forma reflexiva
de comparar o que fomos e o que nos tornamos, pois é costumeiro
criarmos uma cisão de nossa totalidade como indivíduo, distanciando
a criança e o adolescente que fomos, do adulto que somos. Percebi a
decepção por ver que não há nada de extraordinário agora,
comparado a imaginação infantil de outrora. Não encontrei homens
de lata, cheio de luzes, com poderes especiais perambulando pelas
ruas. Mas robôs? Ah! Isso eu encontrei!
A
mídia estava certa! Haveriam robôs entre nós, confesso que
subestimei a inteligência destes cientistas, não dos cientistas de
roupas brancas de cabelo em pé encarcerado em seus laboratórios,
mas aqueles que criam suas formulas enxertando verdades superficiais
e padrões adequados para nos manipular, influenciar nossas vontades,
desejos, nossas expressões e decisões com uma falsa opção de
escolha. Os robôs dos dias atuais são homens e mulheres, como eu e
você, de carne e osso, com seus corpos controlados e circuitos em
pane pelo vírus do consumismo. Vivemos hoje um momento delicado de
submissão às 'verdades' que nos são impostas, nos sedimentamos em
uma zona de conforto vivendo uma vida diplomática preferindo somar
para manter do que dividir para multiplicar, ou seja, queremos ter
mais do que necessitamos para garantirmos o futuro do que vivenciar o
presente em suas várias possibilidades afim de multiplicar nossas
experiências.
Criamos
certa política individual/corporal enclausurados em nossa rotina e
crenças sem nos permitir vivenciar o diferente e as possibilidades
de criação, preferimos os modelos prontos; iguais, para nos
sentirmos participes da sociedade atual. Optamos pelas facilidades a
fim de ganharmos tempo, relaxar é um luxo proibido, e com essa
atitude de ganhar, perdemos: experiências, satisfação e história.
Associamos
o prazer ao pecado e assim como uma criança diante de uma mesa de
doces sem poder tocar, não nos permitimos sentir o gosto das coisas,
e uma forma de enxergamos isso é perceber o quanto colocamos de lado
as coisas que nos fazem bem. Aprendemos ao longo da história a
buscar o 'paraíso' num lugar desconhecido separando a alma do corpo,
a felicidade do agora, nos projetando ao futuro onde possivelmente
seremos felizes.
Não
nos damos mais o direito de sentir o agora! Nossa relação com o
todo é superficial, descaracterizada de substancialidade, passamos
pela vida sem deixar marcas, e sem permitir que sejamos marcados pela
vida, fazendo uma analogia, seria algo parecido a ir à praia e não
perceber as marcas das pegadas deixada na areia e privar-se de molhar
os pés na água com receio do frio.
Isso!
Temos receio de arriscar viver e perder a estabilidade, temos medo
dos 'ventos' da mudança, do frio na barriga. Podemos não perder a
estabilidade, mas corremos um sério risco de perder a nós mesmos. A
alma, ou seja, nossa psique está presente em nossa realidade através
do corpo, assim nossas ações, e a importância que damos a
expressão do nosso corpo nos diz exatamente como está nosso estado
de espírito. Nosso suor do trabalho árduo exala o cheiro do medo de
pecar contra as verdades superficiais que alimentamos cujo deus somos
nós mesmos, criadores de nossa realidade baseados em nosso
conhecimento e vontade, influenciando nosso meio em troca de sua
influencia.
Assim,
tendo a consciência de que somos criadores de nossa realidade, temos
a opção de escolher uma vida saudável cultivando nossas vontades,
reelaborando nossas crenças, atentando o que diz nosso ser em
totalidade, permitindo-se viver o agora, sem transferir nossas
realizações ao futuro e tendo em mente que a história de um
indivíduo e sua realização se constrói durante o percurso e não
na linha de chegada.
*heróis
robóticos de séries televisivas dos anos 80.
Texto
escrito por integrantes do grupo de estudos Semente de Lux referente a
disciplina de Corporeidade do curso de Psicologia da Faculdade
AVANTIS-BC.
Este texto também está disponível em: http://www.psicologiaesaudepublica.blogspot.com.br/
Obs.: ESTE TEXTO PODE SER REPRODUZIDO, DESDE QUE SEJA NA ÍNTEGRA E QUE SEJA CITADA A SUA ORIGEM